Transporte privado individual de passageiros; Por que regulamentar é preciso?

Passados quase quatro anos, um debate que ainda motiva discussões acaloradas no cenário nacional. Após aterrissar em território brasileiro pouco antes do início da Copa de 2014, sem solicitar autorização prévia a nenhum órgão governamental frise-se, a multinacional norte-americana Uber continua suscitando as maiores atenções da nova onda do trabalho precarizado. Percebendo a facilidade de lucros exorbitantes e do retorno garantido às custas da servidão moderna, aliada à falta de uma regulamentação eficiente que impeça o canibalismo de mercado, outras empresas surgiram e seguiram o mesmo rumo.

A chance de encerrar a discussão encontra-se nas mãos dos 513 deputados que integram o parlamento brasileiro. Aprovado em abril do ano passado com ampla maioria na Câmara, o PL 5587, que regulamenta o serviço de transporte de aplicativos, foi totalmente modificado no Senado (com três emendas aprovadas que descaracterizam seu teor original) e tira dos prefeitos o poder de regulamentação da atividade.

Vale destacar que o projeto original (sem as emendas aprovadas) garante, acima de tudo, a própria segurança do passageiro brasileiro. Outro ponto importante, a essência do projeto original não inviabiliza o serviço realizado por aplicativos. Pelo contrário, apenas direciona para uma regulação com diretrizes básicas para que cada município possa optar por sua implantação.

Dissecado ponto a ponto, não há um aspecto sequer que possa gerar polêmica e que não seja minimamente razoável para as empresas. Já para os motoristas, vistorias, fiscalizações e inspeções que garantam a qualidade do serviço prestado. Ao contrário do discurso mascarado, enviesado e construído à base de muita publicidade do dinheiro de investidores, não há nada que onere o bolso do consumidor. E sim, obrigações mínimas que trarão segurança ao serviço e isonomia ao modelo concorrencial.

Afinal, se faz urgente uma regulação que crie condições de certezas de que todos àqueles que nos transportam pelas ruas das cidades possuem autorizações e treinamentos necessários para oferecer o melhor ao cidadão e resguardar nosso bem mais precioso, a vida.

Evocar a mobilidade urbana e a tecnologia para justificar a ausência de um regramento mínimo para motoristas de carros particulares é algo tão vazio e superficial quanto os rasos argumentos apresentados pelas empresas nos debates que trataram do tema ao longo destes dois anos de discussão no Congresso. E como senão bastasse a urgência da apreciação, as empresas agora pedem mais tempo para debate. Como se o transporte de vidas de milhões de brasileiros não fosse algo que merecesse a devida atenção.

Não há livre mercado que resista ao saturamento de profissionais. Some-se a isso um cenário crítico de desemprego e economia em baixa para termos aqui a conjunção perfeita para monopolizar todo um setor. Nos próprios EUA, onde o processo encontra-se em estágio de destruição mais avançado, os protestos pela insatisfação de seus próprios motoristas começam a ganhar cada vez mais os tribunais em busca de alguma compensação minimamente digna.

Aqui no Brasil, situação semelhante também começa a ganhar corpo. Ao mesmo tempo, a empresa agora investe pesado em forte apelo publicitário para tentar mascarar a realidade que se avizinha. Após um ano de estudo, procuradores do Ministério Público do Trabalho aprovaram ano passado um relatório no qual afirmam que a prestação de serviços a aplicativos configura vínculo empregatício de motoristas.

Ainda em solo brasileiro, basta um rápido exercício de aprofundamento na questão para conhecer dados alarmantes. No site Reclame Aqui, o maior portal de defesa do consumidor da internet, a empresa americana aparece entre as mais reclamadas, à frente de gigantes do setor de varejo e de telecomunicações.

Cabem então mais perguntas. Uma empresa que não se submete às regras pode ser considerada séria? Que sequer solicita antecedentes criminais de seus motoristas? Ou sob outro prisma, uma empresa que não se responsabiliza pelo próprio serviço prestado é digna de escolha do consumidor? Os questionamentos começam a se multiplicar em várias partes do mundo.

O aspecto mais contraditório (e assustador) de toda esta situação é que basta um mínimo de regras possíveis que objetivem proteger a vida do próprio cidadão para que a empresa predatória norte-americana ameace se retirar do mercado local. Promessas que nunca se cumprem, apenas um discurso retórico de vitimização e apelativa para mascarar seu desrespeito com as regras que ordenam o serviço de transporte.

Em Londres, a empresa foi banida após não cumprir com as exigências da agência reguladora. Ainda que esteja operando com base em liminares judiciais até que se esgotem os recursos.

Fato é que por toda a Europa, a empresa também começa a ser questionada, inclusive do ponto de vista jurídico e com enquadramentos de segurança e de fiscalização mais restritos. Em recente decisão, de dezembro do ano passado, a mais alta corte da União Europeia foi clara ao determinar que empresas de aplicativos de transporte devem seguir regras de legislações locais semelhantes às seguidas por taxistas.

Diante desse cenário sombrio, vale destacar que continuar concedendo essa polêmica e questionável prerrogativa privilegiada, neste conturbado momento de delicadas incertezas profissionais para mais de 500 mil trabalhadores, trará sérias consequências para a desregulamentação do sistema de transporte e para a precarização desse serviço. E claro, abrirá um precedente histórico de risco para diversas outras profissões regulamentadas.

Afinal, não custa lembrar, para que os brasileiros tenham a opção do direito de escolha, é preciso que o táxi sobreviva. Do contrário, teremos apenas um monopólio controlado por empresas que sequer querem se responsabilizar pelo serviço prestado. 

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Adilson Amadeu
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